Em empreendimentos financiados pelo Sistema Financeiro de Habitação, a instituição financeira gestora dos recursos pode ser considerada fornecedora de serviço e, consequentemente, responsável por eventuais danos suportados pelos contratantes.
O Sistema Financeiro de Habitações (SFH) foi criado em 1964 com a finalidade de facilitar a aquisição da casa própria. Isso se dá por meio de diversas formas e programas de concessão de crédito, tais como a utilização de recursos das contas de FGTS e o Programa Minha Casa Minha Vida.
Atualmente, o SFH é gerido pela Caixa Econômica Federal (CEF), a qual deve tomar todas as medidas necessárias para o adequado atingimento dos fins dos programas do sistema. Por este motivo, quando da concessão de crédito por parte da instituição financeira, serão estabelecidas inúmeras cláusulas contratuais que visam permitir a esta a fiscalização no que tange a utilização dos recursos, a evolução das obras, entre outros.
Em virtude desse dever de fiscalização decorrente da utilização de recursos do SFH, a CEF pode vir a ser responsabilizada por eventuais danos suportados pelos mutuários. Um exemplo que bem ilustra a situação são os casos em que ocorre atraso nas obras de empreendimentos financiados via SFH.
Em casos tais, haverá uma relação de consumo tanto entre o mutuário e a incorporadora, quanto entre o mutuário e a CEF. Isso porquê, de um lado, o mutuário enquadra-se na definição legal de consumidor, na medida em que adquire a unidade habitacional como destinatária final.
E, de outro, tanto a CEF quanto a incorporadora responsável pelo empreendimento assumem a qualidade de fornecedoras de serviço: a CEF, pois presta serviço de financiamento e também porque deve fiscalizar o fiel cumprimento do contrato e dos fins do SFH; e a incorporadora, pois atua para a entrega do imóvel no prazo e preço previamente combinados.
Por se tratar de uma relação de consumo, todas as questões inerentes serão regidas pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC). A legislação consumerista conta com diversas disposições que visam dar maior proteção ao consumidor perante os fornecedores, dentre as quais se destaca a responsabilidade objetiva e solidária destes para com todos os danos que vierem a ocasionar.
Responsabilidade objetiva quer dizer que o fornecedor responderá pelos danos independentemente de ter tido culpa para a ocorrência destes ou não (art. 14 do CDC). No exemplo de atraso na entrega do imóvel, eventual alegação da CEF de que a culpa pelo atraso é exclusivamente da incorporadora não será capaz de afastar sua responsabilidade, pois isso independe da verificação de ocorrência de culpa.
Já a responsabilidade solidária quer dizer que todos os autores da ofensa respondem pelos danos suportados pelo consumidor (art. 7º do CDC). No exemplo dado, não só a incorporadora será responsabilizada por não ter cumprido com o prazo previsto para entrega do imóvel ao adquirente, como também o será a CEF, na medida em que terá deixado de fiscalizar o empreendimento, bem como de adotar as medidas contratualmente previstas em caso de descumprimento injustificado.
Conhecer da possibilidade de responsabilização da CEF em contratos de financiamento envolvendo recursos do SFH se mostra extremamente importante, pois em muitos casos a incorporadora vem a falência durante a execução do empreendimento. Então, quando os consumidores buscarem serem ressarcidos perante a incorporadora, esta não terá patrimônio para fazer frente a todas as obrigações a ela impostas.
De outro lado, enquanto empresa pública e instituição bancária, a CEF goza de maior liquidez, o que possibilitará maior chance de que os consumidores sejam efetivamente indenizados. Um caso concreto que bem ilustra o que aqui se afirma é o ocorrido no empreendimento Parque das Nações, localizado na cidade de São José dos Pinhais/PR.
Nos últimos anos, inúmeras matérias jornalísticas noticiaram o problema envolvendo este empreendimento e o atraso na entrega das unidades aos adquirentes. (Clique aqui para assistir)
Os imóveis deveriam ter sido entregues entre 2014 e 2015 a mais de 600 famílias. Contudo, a entrega só ocorreu em março de 2021.
Sem dúvida tamanho atraso trouxe inúmeros prejuízos a essas famílias, os quais são passíveis de indenização. Diante disso, inúmeros processos foram ajuizados pelos adquirentes e em levantamento feito, pode-se observar que na maioria das ações os pedidos eram de: a) indenização pelos danos morais suportados pelas famílias; b) devolução dos valores pagos a título de juros de obra após a data prevista para entrega dos imóveis e; c) indenização correspondente a valor de um aluguel de imóvel do mesmo padrão, por mês de atraso.
No entanto, parte dos compradores optou por ajuizar ação somente em face da construtora e da incorporadora responsáveis pelo empreendimento. Tais adquirentes tiveram decisões favoráveis a si no Judiciário, mas não conseguiram receber as indenizações justamente porque ambas as empresas faliram.
Outra parcela dos compradores de imóveis do empreendimento optou por abrir ações não só em face da construtora e da incorporadora, mas também em face da CEF. Esses compradores também tiveram decisões favoráveis e, diferentemente do que ocorreu com os primeiros, conseguiram receber os valores a que tinham direito diretamente da CEF.
Conclui-se que é preciso que os adquirentes de imóveis estejam atentos à responsabilidade que recai sobre a Caixa Econômica Federal, quando há utilização de financiamento cujo crédito seja oriundo de recursos do Sistema Financeiro de Habitações. Este fator pode ser decisivo para que os danos suportados sejam efetivamente indenizados, evitando-se que a falta de recursos da construtora/incorporadora possa inviabilizar os direitos dos compradores/mutuários.
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